Fluxo de consciência
O fluxo de consciência é uma técnica narrativa na qual os conteúdos mentais e emocionais de um personagem se dão a conhecer no texto literário, por meio de uma linguagem fragmentada e relativamente desorganizada ou caótica, visto que representa o fluxo ininterrupto e espontâneo das ideias. Essa técnica amplia a dimensão do texto narrativo, visto que acrescenta e aprofunda os processos psicológicos vivenciados pelas personagens. Por isso, tal recurso amplia a possibilidade de conexão e empatia entre leitor e personagem. O fluxo de consciência foi muito presente na literatura do século XX.
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Resumo sobre fluxo de consciência
- O fluxo de consciência é uma técnica narrativa na qual o leitor conhece os conteúdos psicológicos de um personagem.
- O fluxo de consciência pode ser utilizado por um narrador de terceira ou primeira pessoa.
- No fluxo de consciência, o conteúdo psicológico expressa-se por meio de uma linguagem fragmentada e desorganizada.
- Essa técnica serve para explorar os conteúdos psicológicos das personagens, conferindo uma dimensão subjetiva à narrativa.
- Autores como Virginia Woolf, James Joyce, Marcel Proust, João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Hilda Hilst, Lygia Fagundes Telles.
O que é fluxo de consciência?
Fluxo de consciência é o nome dado a uma técnica narrativa na qual o narrador ou o próprio personagem expressa de forma espontânea e, em certa medida, desorganizada seus pensamentos, memórias e reflexões internas, de modo que o leitor consegue ar a subjetividade do personagem. Sendo assim, no fluxo de consciência o objetivo é a representação dos conteúdos psicológicos do personagem, sejam eles expressos pelo próprio personagem ou por um terceiro.
Principais características do fluxo de consciência
O fluxo de consciência possui como principais características:
1. discurso psicológico;
2. fluxo de pensamentos intenso e desarticulado;
3. expressão de aspectos emocionais e memoriais;
4. mistura de sensações e questionamentos no mesmo texto;
5. foco narrativo centrado no interior da personagem;
6. linguagem caótica e fragmentada.
Exemplos de fluxo de consciência
“Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a jarra para mudar a água – havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a formiga. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d’água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um lado para outro na cozinha, cortando os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos.”
Clarice Lispector
No fragmento acima, observa-se que o narrador utiliza o recurso do fluxo de consciência a fim de expressar as angústias existenciais da personagem. Para isso, usa frases curtas, que podem simbolizar a fragmentação do pensamento da personagem, e alterna-se de assunto em cada sentença, representando a quantidade de assuntos e memórias que am por essa mente, de modo dinâmico, rápido e aparentemente caótico. Esse é um exemplo de como o fluxo de consciência representa o fluxo de pensamento e como esse recurso auxilia o leitor a conhecer, compreender e se identificar com o personagem.
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Como funciona o fluxo de consciência?
No fluxo de consciência, o narrador ou personagem expressa suas reflexões mentais e emocionais semelhantes a como ocorre na realidade, verbalizando e conectando diferentes tópicos, observações, memórias e sentimentos ainda de modo desorganizado, com o intuito de representar ou ainda elaborar um entendimento ou uma organização a respeito desses conteúdos.
Para que serve o fluxo de consciência?
O fluxo de consciência serve justamente para explorar e expressar os conteúdos internos das personagens, ampliando a construção desses, por meio do aprofundamento das questões psicológicas, emocionais e memoriais dos sujeitos. Com esse recurso narrativo, o leitor não a somente os aspectos externos, mas também individuais das personagens.
A narrativa, desse modo, ganha uma dimensão mais complexa do ponto de vista subjetivo. Ademais, a soma desse recurso com a constituição externa da narrativa pode complexificar as análises e temas, por mesclar perspectiva externa e interna no mesmo texto.
Autores que utilizam fluxo de consciência
Há diversos autores que utilizam o fluxo de consciência como técnica narrativa. No cenário da literatura internacional, destacam-se nomes como:
- Virginia Woolf
- James Joyce
- Marcel Proust
Já na literatura nacional, os alguns autores que utilizaram esse recurso foram:
Qual a importância do fluxo de consciência?
O fluxo de consciência é uma técnica que prioriza os aspectos psicológicos dos personagens, portanto as suas principais contribuições estão no âmbito de explorar os aspectos internos e mentais dos sujeitos ficcionais e, com isso, ampliar a experiência de entendimento e empatia do leitor com os personagens.
Ademais, esse recurso investe no aspecto psicológico e emocional como elemento que aprofunda a narrativa, pois adiciona a dimensão subjetiva para o entendimento do texto. É fundamental ainda destacar que o fluxo de consciência foi especialmente importante para a literatura do século XX, visto que diferentes autores investiram nele para composição de suas obras, como as já citadas brasileiras Clarice Lispector, Hilda Hilst e Lygia Fagundes Telles.
Como escrever em fluxo de consciência?
Para escrever em fluxo de consciência, é necessário investir na expressão do conteúdo psicológico do personagem e fazê-lo de forma a assemelhá-lo a um fluxo ininterrupto de pensamentos. Dessa forma, além de acrescentar os conteúdos mentais na construção do texto, é válido elaborar frases mais curtas, para representar a velocidade das ideias; investir em diferentes assuntos, de modo a representar a desorganização do pensamento e mesclar memórias com fatos do presente, estabelecendo associações entre as memórias do personagem.
Fluxo de consciência x epifania
O conceito de epifania na literatura refere-se a momentos de descoberta vividos pelos personagens, geralmente em situações cotidianas e corriqueiras, que se tornam experiências de verdadeira revelação para esse indivíduo. O fluxo de consciência, pelo contrário, refere-se a trechos em que o narrador ou o próprio personagem expressa uma sequência de pensamentos, sem muita organização e lógica, representando, assim, o fluxo mental humano e sua intensa, fragmentada e diversa atividade psicológica, ao mesmo tempo em que acrescenta dimensões subjetivas aos ser ficcional, complexificando sua constituição e potencializando os sentidos da narrativa.
Fluxo de consciência x monólogo interior
Os conceitos “fluxo de consciência” e “monólogo interior” são comumente tratados como sinônimos, além de serem considerados assim também por alguns autores. Ligia Chiappini Moraes Leite, em “O foco narrativo”, discute que ambos os termos possuem fronteiras muito sutis, portanto a diferença entre ambos pode ser imperceptível para alguns.
De acordo a autora, o monólogo interior é um fluxo de pensamentos que se apresenta de forma fragmentada e, em certa medida, desorganizada, enquanto o fluxo de consciência seria a radicalização desse processo, ou seja, a mesma técnica, porém desempenhada de forma ainda mais intensa. Visto que ambas se diferenciam por uma variação incerta de intensidade da mesma técnica, os termos são considerados e compreendidos por muitos como sinônimos.
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Exercícios sobre fluxo de consciência
1. A respeito do fluxo de consciência, é possível afirmar:
I - É uma técnica narrativa que serve para descrever os aspectos sociais da obra.
II - É uma técnica que expressa os conteúdos psicológicos das personagens.
III- É uma técnica em que o conteúdo aparece de forma menos organizada.
IV - É uma técnica que só pode ocorrer em conjunto com a epifania.
Estão corretas:
- I, II e III
- II e III
- III e IV
- I, II, III e IV
- II e IV
Comentário: Letra B. As únicas afirmativas corretas são a II e a III, pois o fluxo de consciência expressa conteúdos psicológicos e de forma relativamente desorganizada, representando o fluxo ininterrupto de pensamento. Essa técnica não se concentra nos aspectos sociais nem precisa vir junto da epifania.
2. Leia o fragmento abaixo e responda ao que se pede:
Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. Embora não seja aguente bem ouvir um assovio no escuro, e os. Escuridão? Lembro-me bem de uma namorada: era moça-mulher e que escuridão dentro de seu corpo. Nunca esqueci: jamais se esqueceu a pessoa com quem se dormiu. O acontecimento fica tatuado em marca de fogo na carne viva e todos os que percebem o estigma fogem do horror.
Clarice Lispector
No trecho acima, a autora utiliza um recurso narrativo que permite ao leitor ar os processos psicológicos da personagem. A respeito disso, é possível afirmar:
a) que o fragmento apresenta uma epifania, por meio da qual a personagem tem uma profunda revelação sobre amor-próprio.
b) que o trecho exemplifica o recurso do monólogo, pois o narrador descreve todos os fatos a partir de um foco externo, que prioriza os aspectos contextuais.
c) que o trecho demonstra o recurso do fluxo de consciência, por meio do qual a personagem revela uma sucessão de pensamentos ainda desorganizados.
d) que o trecho apresenta um narrador onisciente que sabe de todas as coisas e, portanto, a os aspectos sociais e espaciais da narrativa.
Comentário: A alternativa C é a correta, pois no fragmento verifica-se uma sequência de pensamentos da personagem, os quais aparecem de forma relativamente desorganizada, caracterizando o fluxo de consciência tanto no conteúdo psicológico quanto na forma como esse conteúdo é representado.
Fontes:
Leite, L. C. M. O foco narrativo. Série Princípios. 10ªed. São Paulo: Editora Ática, 2002.
SILVA, Renata Santos Rodrigues da. Atrás da palavra-incorpórea e do instante-já: monólogo interior, fluxo de consciência e epifania em Água viva, de Clarice Lispector. 2024. Trabalho de Conclusão de Curso (Letras – Bacharelado) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2024.
